Será que estamos vendo o fim dos tempos para os danos morais? Até quando as indenizações extrapatrimoniais continuarão existindo? O que muitos julgadores não percebem é o impacto dessas negativas de reconhecimento do dano moral para eles próprios e seus familiares. Todos nós somos consumidores em potencial e, em algum momento, seremos vítimas de empresas que abusam ao cometer práticas contrárias às relações de consumo, como longos atrasos de obra, cancelamentos de voos, aumentos abusivos nas mensalidades dos planos de saúde sem qualquer controle, ou mesmo cobranças indevidas em geral.
Cada vez mais, o Poder Judiciário, influenciado pelo lobby de grandes empresas, vem relativizando o dano moral e excluindo-o de casos onde sua presença é clara e evidente. Muitas decisões que negam a existência do dano moral falam em “meros dessabores” ou “aborrecimentos do dia a dia”. Porém, essa minimização só ocorre quando o problema atinge “o telhado do vizinho”. Quando somos as vítimas dos abusos que essas empresas cometem, dificilmente nos contentamos com a negativa de indenizações.
Frequentemente nos deparamos com casos em que o consumidor, de fato, teve sua honra ofendida, sofreu perda de tempo útil, desviou-se de suas atividades produtivas buscando soluções para problemas, ou até mesmo perdeu um projeto de vida ao receber um imóvel com um ano de atraso em relação ao prazo estipulado, isso quando não sofre constrangimentos adicionais.
O Poder Judiciário, como um todo, não vem decidindo esse tema de forma equânime e correta. Negar, por exemplo, uma indenização por danos morais em caso de atraso de obra por um ano, ou para uma pessoa que teve um atendimento negado pela operadora de plano de saúde, mesmo estando em dia com suas obrigações, demonstra uma falta de sensibilidade para com os direitos dos consumidores. E ainda, em situações de cobrança indevida no cartão de crédito, como no caso de uma consumidora que devolveu um veículo alugado e posteriormente foi cobrada por uma nova bateria e troca de componente do freio de mão. Após fazer reclamações na sede da empresa, no Reclame Aqui e ajuizar uma ação judicial, a sentença de primeiro grau foi revisada, excluindo o dano moral, sob o entendimento do juiz relator da Turma Recursal de que se tratava de mero dissabor.
Se essa tendência continuar, o instituto do dano moral corre o risco de ser extinto, o que seria extremamente perigoso. Isso equivaleria a dar um “cheque em branco” para empresas que abusam e não conseguem prestar serviços de excelência, especialmente porque nossos magistrados não aplicam com rigor as garantias do Código de Defesa do Consumidor.
Uma última reflexão: poucas decisões judiciais que temos visto tratam da indenização punitiva dos danos morais, estabelecendo valores indenizatórios como fator educativo e repressivo, funções essenciais desse instituto.
Nós, advogados, sentimos que os julgadores não olham para o consumidor com a devida atenção. Muitos acreditam que os consumidores buscam apenas vantagem econômica ao incluir danos morais nos pedidos. Esse pensamento se formou a partir da tese da “industrialização do dano moral”. Contudo, não podemos ignorar que, com o crescimento exponencial da população e da demanda por serviços, as empresas precisam se qualificar no atendimento e melhorar os serviços prestados. A falta de qualificação resulta em reclamações administrativas e ações judiciais, geradas pela má gestão dessas empresas e de suas políticas que visam a redução de ocorrências internas e do contencioso.
Há uma clara preocupação da advocacia nacional quanto à relativização dos danos morais e à exclusão de seu alcance, pois isso beneficia apenas as empresas que descumprem normas, gerando uma sensação de desresponsabilização e impunidade nas relações de consumo, além de prejudicar o respeito e a credibilidade da sociedade no Poder Judiciário. Essa desconfiança surge não apenas pela demora nas respostas aos pleitos dos consumidores, mas também pela negativa de reconhecimento dos problemas enfrentados por eles na tentativa de solucionar falhas de serviços cometidas pelas empresas, resultando em perda de tempo e desvio produtivo.